dos 6 aos 10, Jacarandá
Somos forçados a abrir este comentário com um disclaimer: o Pequeno Leitor está na fase em que todas as meninas são o inimigo, por isso, este livro que nos foi cedido pela Jacarandá foi-lhe mostrado com muita, muita cautela.
Espreitou, folheou, torceu o nariz e, muito honestamente disse: “Mãe, não gosto lá muito deste livro. ” “Então e porquê?” “Porque tem meninas a fazer coisas que não são de meninas…”
Ora, a Mãe do Pequeno Leitor não tem ilusões. Ainda há muito caminho a percorrer para esta visão mudar. Por muito que o Pequeno Leitor veja a mãe a conduzir e a ver futebol, o pai a cozinhar ou a vestir uma camisola cor-de-rosa, coisas que para muitos parecerão o mundo ao contrário, não deixa de estar exposto a outros pontos de vista. E se um amiguinho da mesma idade lhe diz que o pormenor cor-de-rosa da lancheira preta é de menina, ele se calhar ainda acredita. Mas há de chegar o dia em que a cor será apenas isso.
E por isso insistimos neste livro. Sentados lado a lado, lemos o pouco texto (mas muito rico!) sobre cada uma das figuras lá retratadas. De Rosa Parks e o lugar no autocarro, a Amelia Earhart e a travessia transatlântica, a Frida Kahlo e as suas pinturas intensas, Jane Austen, a escritora que a Mãe aprecia tanto.
Esqueçam as etiquetas. Este livro vem, naturalmente, num momento em que se fala especialmente da tomada de consciência da mulher e do seu papel na sociedade, da luta pela igualdade de direitos que ainda está muito aquém do que poderia e deveria ser. Mas este não é um livro feminista. É muito mais do que isso.
Com Amelia Earhart, fala-se da superação de um sonho que possivelmente lhe custou a vida, numa altura que não era apenas difícil ser-se mulher num papel tipicamente atribuído a um homem, mas em que a tecnologia e a aeronáutica ainda estavam longe da banalidade que é hoje entrar num avião.
Com Rosa Parks falamos de uma mulher que bateu o pé quando não se quis sentar, depois de um dia de trabalho, nos lugares de trás do autocarro – porque a isso era obrigada por causa da cor da pele. E a sua recusa inspirou e inspira ainda hoje várias gerações na sua luta pelos direitos civis. Custa a crer que a cor da pele seja para muitos significado de inferioridade, não custa?
Com Jane Austen temos uma mulher que ganhou a vida a escrever, numa altura em que algumas escritoras usavam pseudónimos masculinos para poderem ser publicadas e levadas a sério (irmãs Bronte, Georges Sand, George Elliot…), morrendo relativamente jovem e solteira porque casar a impediria de continuar a sua atividade. Que escreveu narrativas inspiradoras, sobre jovens casadoiras e não só, de temperamento forte, assertivas, que procuravam mais ouvir o coração e menos a razão de uma sociedade em que o destino consistia em casar ou ficar solteirona e sem rendimentos.
E como estas, outras histórias se contam de proezas de várias mulheres que em diferentes momentos se superaram e superaram a história, deixando a sua marca.
Foi mais nesta mensagem que insistimos. Independentemente de ser mulher ou homem, há que lutar pelos sonhos, perseverar, ter paciência, construir, trabalhar para deixar uma marca.
O livro está bem feito. Tem o porte e a simplicidade de uma pequena enciclopédia de um universo muito pequeno mas representativo de grandes lutas. E cumpre o propósito de ensinar a sonhar e acreditar que se é capaz.
Pensamos que as meninas ainda serão o inimigo cá por casa por mais algum tempo e talvez lá mais à frente o livro possa ser relido com outra perspetiva. Mas acreditamos também que estamos a semear para um futuro namorado, pai, amigo e colega decente e respeitador. Porque, se vem num livro, diz o Pequeno Leitor, deve ser verdade. 😉
Mais, aqui.
Tenho este em lista (embora o CC diga que já não sou criança, mas o que sabe esse pedaço de plástico?), e fiquei tão feliz com este texto! É tão bom e tão importante que cada vez mais se fale nestas coisas e se tenha materiais assim para trabalhar com as gerações do futuro 🙂
Gostei muito da forma como abordaste o livro, enquanto mãe de um menino. E acho que o que fazes todos os dias, todos os pais e educadores deviam fazer. Se um dia tiver filhos quero ser uma mãe assim 🙂
Beijinho
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